Itacoatiara é uma cidade rica em ritos, lendas, costumes, tradições, danças típicas, culinária própria e ritmos que nasceram às margens do rio Amazonas, moldados pela vivência indígena, ribeirinha e cabocla. Ainda assim, paradoxalmente, vive hoje um profundo processo de esquecimento e apagamento de sua identidade cultural. Não por falta de história, mas por ausência de valorização, preservação e políticas efetivas de memória.
Ao longo de seus 151 anos, Itacoatiara tem sido palco de sucessivas ondas de colonialismo cultural. Cada época trouxe consigo costumes externos que se impuseram sobre as expressões locais, muitas vezes não por troca cultural legítima, mas por força econômica, política ou social. O resultado é um cenário onde o que é originário vai sendo empurrado para as margens, enquanto o que vem de fora ocupa o centro das festividades, dos palcos e do imaginário coletivo.
Um exemplo marcante ocorreu durante o auge das madeireiras Gethal e Carolina. Sob sua influência econômica, um grande contingente de trabalhadores oriundos do Sul do país se estabeleceu no município, trazendo consigo suas danças, ritmos e vestimentas típicas. As danças gaúchas, por um período, protagonizaram uma verdadeira invasão no folclore itacoatiarense, dominando eventos culturais e substituindo manifestações locais. Não se tratou de integração cultural, mas de imposição simbólica associada ao poder econômico. Com a mudança das políticas ambientais e o fechamento das grandes madeireiras, esse figurino cultural foi, aos poucos, se diluindo, evidenciando o quanto era alheio às raízes da cidade.
Hoje, o processo se repete, sob novas formas. Danças e ritmos oriundos do Maranhão, de Pernambuco, de outras regiões do Nordeste e até do Pará vêm sendo introduzidos de maneira acrítica, muitas vezes “goela abaixo”, ocupando espaços que deveriam servir ao fortalecimento da identidade local. Não se trata de rejeitar outras culturas — todas são legítimas e merecem respeito —, mas de questionar a substituição contínua daquilo que é nosso por referências externas, como se a cultura itacoatiarense fosse insuficiente ou inexistente.
O perigo desse movimento está no apagamento gradual da memória coletiva. Quando uma cidade deixa de ensinar suas próprias danças, cantar seus próprios ritmos e contar suas próprias histórias, as novas gerações passam a acreditar que aquilo que veio de fora sempre fez parte de sua identidade. É nesse ponto que o colonialismo cultural se consolida: quando o povo já não reconhece a si mesmo.
Triste é o povo que não valoriza suas tradições, não preserva sua memória e não resgata sua história cultural. A cultura não é entretenimento descartável; é identidade, pertencimento e resistência. Preservá-la não significa fechar-se ao mundo, mas fortalecer as próprias raízes para dialogar de forma digna e consciente com outras culturas.
Itacoatiara precisa decidir se continuará sendo apenas palco para culturas alheias ou se assumirá, de fato, o compromisso de reconhecer, proteger e promover aquilo que a constitui enquanto povo. Resgatar danças, ritmos, saberes, culinária e narrativas locais não é um ato nostálgico — é um gesto de sobrevivência cultural.
Sem memória, não há identidade. Sem identidade, não há futuro.
Por Frank Queiroz Chaves
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